Tutela e emancipação: dois caminhos para o Voluntariado

Por Bruno Barcelos, consultor em projetos nas áreas de ESG – Environmental, Social and Governance (em português Ambiental, Social e Governança), Sustentabilidade, Investimento Social Privado e Voluntariado para iniciativas privadas e públicas do Brasil e Portugal.

O voluntariado cruza-se com vários conceitos, dentre eles a caridade, a assistência, as doações e outros cuja relação aprofundei na minha dissertação de mestrado. Contudo, das palavras que cercam o voluntariado, apenas uma não pode estar de fora: ação. Depois disso, há que se cuidar na relação do voluntariado para fins de tutela ou emancipação dos envolvidos, com a atenção de que a tutela pode ter mais a ver com a manutenção das desigualdades estruturais do que com a sua resolução. 

As bases coloniais influenciaram a constituição conceitual e prática da caridade institucional no Brasil. A revisão historiográfica permite identificar a chegada das ordens religiosas com a finalidade colonial, portando consigo os valores a serem implantados, com ou sem consentimento das populações originais, que de protagonistas do seu território precisaram estabelecer novas relações sociais junto aos viajantes, e identificadas como pessoas assistidas, analfabetas, com necessidade de ensino e catequese, e pobres em moral e cultura, sob o discurso dos que invadiam. 

A pauta civilizadora era tal que, ao buscar fincar no novo mundo uma réplica dos seus modelos de gestão monárquica, eclesiástica e comercial, foi necessário também trazer consigo as irmandades que cuidariam dos efeitos colaterais da sua própria ação: os modelos urbanos e sociais que implementavam à maneira da metrópole, carregavam a pobreza, doenças, a peste, e sistemas desiguais que demandavam a assistência aos vulneráveis e doentes, executadas principalmente pelas Santas Casas de Misericórdia. 

A partir daí, o modelo de assistência social varia conforme os padrões de gestão do Estado, influenciado pelas variações na relação do governo com a igreja. Basicamente, tornava o doador um cidadão virtuoso perante as instituições que integrava, e isso carregou o conceito de voluntariado com características que até hoje vigoram. Sendo a caridade mais ligada à benevolência da igreja e a filantropia à sociedade civil. 

Portanto, o termo caridade, apesar de originalmente significar ’amor‘, cresceu ligado à noção de ’desvalido‘. Ou seja, os atos de caridade, seriam destinados a aqueles que são desprotegidos por ’paternidade‘ – ou paternalismo. E podemos reparar até hoje que a figura do coitado desvalido é tão desempoderada e, ao mesmo tempo, utilitária, que, nessa lógica, aos ricos pedir esmola em sua função ’era‘ considerado virtuoso. Dito isso, a figura utilitária do pobre para salvação dos ricos é uma equação comum na concepção de caridade, e é importante ter isso no radar ao aplicar esse termo: a ação de voluntariado que se pratica coloca doador e recebedor em posição de igualdade ou é um exercício enobrecedor do doador? 

Remetendo a Dilene Nascimento: “a filantropia pode ser explicada, grosso modo, como a laicização da caridade cristã, ocorrida a partir do século XVIII, e que teve nos filósofos das luzes seus maiores propagandistas.” Provavelmente, uma diferença entre esses dois conceitos seja que a filantropia pode conceder ao doador maior protagonismo do seu ato, em relação ao donatário, conferindo utilidade a publicitação das suas obras, para fins de destaque social e intercâmbio de ideias. Felizmente, no Brasil, a Filantropia junto ao Investimento Social Privado evolui para práticas estruturantes que buscam a emancipação e o impacto. 

Por fim, uma palavra transversal aí tem sido a doação, e mais profícuo que problematizá-la é enquadrá-la como ação necessária, pontualmente, como uma ferramenta das relações de voluntariado de continuidade. Com a doação é possível alcançar grandes números de engajamento e benefício, e ela é, muitas vezes, uma porta de entrada para o voluntariado transformador. 

O consenso é que: doação, filantropia, caridade e voluntariado, são termos que coexistem e farão muito se apontarem para uma dinâmica social libertadora. 

Referências:
NASCIMENTO, Dilene Raimundo. Liga Brasileira contra a Tuberculose: um século de luta. Fundação Ataulpho de Paiva — Rio de Janeiro, Quadratim/FAPERJ, 2001, 156p.